quinta-feira, 25 de outubro de 2018

EU ETIQUETA

EU ETIQUETA Em minha calça está gravado um nome que não é meu de batismo ou de cartório. Um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produto que nunca experimentei mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido de alguma coisa não provada por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente, meu copo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete, meu isso, meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos, são mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordem de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade, e fazem de mim homem-anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada. Estou, estou na moda. É doce estar na moda, ainda que a moda seja negar minha própria identidade, trocá-la por mil, açambarcando todas as marcas registradas, todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser eu que antes era e me sabia tão diverso de outros, tão mim-mesmo ser pensante, sentinte e solidário com outros seres diversos e conscientes de sua humana, invensível condição. Agora sou anúncio, ora vulgar ora bizarro, em língua nacional ou em qualquer língua(qualquer principalmente). E nisso me comprazo, tiro glória de minha anulação. Não sou – vê lá – anúncio contratado. Eu é que mimosamente pago para anunciar, para vender em bares festas praias pérgulas piscinas, e bem à vista exibo esta etiqueta global no corpo que desiste de ser veste e sandália de uma essência tão viva, independente, que moda ou suborno algum a compromete. Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher, minhas idiossincrasias tão pessoais, tão minhas que no rosto se espelhavam, e cada gesto, cada olhar, cada vinco da roupa resumia uma estética? Hoje sou costurado, sou tecido, sou gravado de forma universal, saio da estamparia, não de casa, da vitrine me tiram, recolocam, objeto pulsante mas objeto que se oferece como signo de outros objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial, peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem, meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa coisamente. Poema de Carlos Drumond de Andrade. O Corpo. Rio de Janeiro. Record. 1984. P.85-87 Trabalho de Sociologia Leia o texto com atenção, faça sua interpretação e responda as questões a seguir: 1- Qual é o título do texto? 2- Coloque número nas linhas do texto para melhor compreensão das atividades. 3- Dê o significado das expressões: a) letras falantes b) gritos visuais c) ordem de uso, abuso, reincidência d) costume, hábito, premência 4- Comente: “Em minha calça está grudado... um nome estranho. 5- Porque o autor reclama que meu blusão traz lembrete de bebida que jamais coloquei na boca, marca de cigarro que não fumo, produtos que nunca experimentei? 6- O autor do texto diz que seu lenço, seu relógio, seu chaveiro, etc. em sua casa, todos estes objetos trazem etiquetas? 7- No texto: “E fazem de mim homem-anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada”. Dê sua opinião. 8- O que você acha da afirmação: “È doce estar na moda, ainda que a moda seja negar sua própria identidade”. 9- O que quer dizer no texto: a) Demito-me de ser eu que antes era e sabia tão diverso de outros. b) Tão mim mesmo, ser pensante, sentinte e solidário com outros seres diversos e conscientes da sua humana, invensível condição. 10- comente as questões 10, 11 e 12. “Agora sou anúncio, ora vulgar, ora bizarro em língua nacional ou em qualquer língua(qualquer principalmente). 11-E nisto me comprazo, tiro glória de minha anulação. 12- Comente: Não sou – vê lá – anúncio contratado. 13- Interprete as questões de 13 a 20 e resolva: Eu é que mimosamente pago para vender em festas, bares, praias e pérgulas piscinas. 14- Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher. 15- Hoje sou costurado, sou tecido, so gravado de forma universal. 16- Saio da estamparia, não de casa. 17- Da vitrine me tiram, recolocam, objeto pulsante mas objeto que se oferece como signos de outros objetos, estátuas, tarifadas. 18- porque me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial. 19- Peço que meu nome retifiquem. 20- Já não me convém o título de homem. Meu nome é coisa. Eu sou a coisa coisamente.

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