quarta-feira, 2 de agosto de 2017

DO MITO À RAZÃO: O NASCIMENTO DA FILOSOFIA NA GRÉCIA

DO MITO À RAZÃO: O NASCIMENTO DA FILOSOFIA NA GRÉCIA Conforme sabemos, os primeiros filósofos da humanidade foram gregos. Isso significa que embora tenhamos referências de grandes homens na China(Confúcio e Lao Tse), na Índia(Buda), na Pérsia(Zaratustra), suas teorias ainda estava por demais vinculadas à religião para que possa falar propriamente em reflexão filosófica. Neste capítulo, veremos o processo pelo qual se tornou possível a passagem da consciência mítica para a consciência filosófica na civilização grega, constituída por diversas regiões politicamente autônomas. 2. A Concepção Mítica As Epopéias Os mitos gregos eram recolhidos pela tradição e transmitidos oralmente pelos aedos e rapsodos, cantores ambulantes que davam forma poética aos relatos populares e os recitavam de cor em praça pública. Era difícil conhecer os autores de tais trabalhos de formalização, porque em um mundo em que predomina a consciência mítica não existe a preocupação com a autoria da obra, já que o anonimato era a conseqüência do coletivismo, fase em que ainda não se destacava a individualidade. Além disso, não havia a escrita para fixar a obra e o autor. É costume atribuir a autoria de dois poemas épicos, chamados de epopéias: Ilíada, que trata da guerra de Tróia e Odisséia, que relata o retorno de Ulisses à Ilha de Ítaca, após a guerra de Tróia. As epopéias tiveram função didática importante na vida dos gregos porque descrevem o período da civilização micênica e transmitem os valores da cultura por meio das histórias dos deuses e antepassados, expressando uma determinada concepção de vida. Era costume de desde cedo as crianças decorarem passagens dos poemas de Homero. As ações heróicas relatadas nas epopéias mostravam a constante intervenção dos deuses, ora para auxiliar um protegido, ora para perseguir um inimigo seu. A Teogonia Hesíodo, outro poeta que teria vivido por volta do final do século XIII e princípios do XII a.C., produziu uma obra com características que apontava para a época que ia iniciar, com particularidades, que tendia a superar a poesia impessoal e coletiva das epopéias. A obra Teogonia(Teo:deus; gonia:origem) reflete a preocupação com a crença nos mitos. Nela Hesíodo relata as origens, do mundo e dos deuses; e as forças que surgem não são a pura natureza, mas sim, as próprias divindades. Gaia é a terra; Urano é o céu; Cronos é o tempo, surgindo ora por segregação, ora pela intervenção de Eros, princípio que aproxima os opostos. A CONCEPÇÃO FILOSÓFICA Foi no período antigo é que surgiram os primeiros filósofos gregos, por volta dos séculos VII e VI a.C. Alguns autores costumam chamar de “milagre grego” a passagem do pensamento mítico para o pensamento crítico racional e filosófico. Muitos estudiosos mais recentes pretendem superar essa visão simplista e a-histórica, dizendo que o surgimento da racionalidade crítica foi o resultado de um processo muito lento, preparado pelo passado mítico, cujas características não desaparecem “como por encanto” na nova abordagem filosófica do mundo. Sendo assim, o surgimento da filosofia na Grécia não é o resultado de um salto, um “milagre” realizado por um povo privilegiado, mas a culminação de um processo que se fez através dos tempos e tem sua dívida com o passado mítico. MITO E FILOSOFIA: CONTINUIDADE E RUPTURA Podemos observar a diferença entre o pensamento mítico e a filosofia nascente: os filósofos divergem entre si e a filosofia se distingue da tradição dogmática dos mitos oferecendo uma pluralidade de explicações possíveis. Assim justificamos a perspectiva comumente aceita da ruptura entre mito e filosofia. Na passagem do mito à razão, há continuidade no uso comum de certas estruturas de explicação. Estudiosos com Vernant e Cornford afirmam que não existe uma “imaculada conceição da razão”, pois, o aparecimento da filosofia é um fato histórico, enraizado no passado. Embora existam esses aspectos de continuidade, a filosofia surge como algo muito diferente, pois resulta de uma ruptura quanto à atitude diante do saber recebido. Enquanto o mito é uma narrativa cujo conteúdo não se questiona, a filosofia problematiza e convida à discussão. Enquanto no mito a inteligibilidade é dada, na filosofia ela é procurada. A filosofia rejeita o sobrenatural, a interferência de agentes divinos na explicação dos fenômenos. A filosofia busca a coerência interna, a definição rigorosa dos conceitos, o debate e a discussão. Organiza-se em doutrina e surge, portanto como pensamento racional. Algumas novidades surgidas no período antigo ajudaram a transformar a visão que o homem mítico tinha de si mesmo e do mundo. São elas: a invenção da escrita, o surgimento da moeda, a lei escrita, o nascimento da cidade-estado(pólis), todas elas tornando-se condição para o nascimento da filosofia. A Invenção da Escrita Geralmente a consciência mítica predomina na cultura de tradição oral, onde ainda não há escrita. A primeira escrita era mágica e reservada aos privilegiados, aos sacerdotes e aos reis. Entre os egípcios, por exemplo, hierógrifos significa literalmente “sinais divinos”. Na Grécia, a escrita surgiu por influência dos fenícios e já no século VIII a.C. se achou suficientemente desligadas de preocupações esotéricas e religiosas. Enquanto os rituais religiosos eram cheios de fórmulas mágicas, termos fixos e inquestionados, os escritos deixaram de ser reservados apenas aos que detinham o poder e passaram a ser divulgados em praça pública, sujeitos a discussão e a crítica. Isso não significa que a escrita tenha se tornado acessível a todos, mas permaneciam ainda grande o número de analfabetos. O que estava em questão é a dessacralizaão da escrita, ou seja, seu desligamento da religião. A escrita gerou uma nova idade mental porque exigiu de que escrevia uma postura diferente daquela de quem apenas falava. Como a escrita fixava a palavra e consequentemente o mundo para além de quem a proferiu, necessitou de mais rigor e clareza, o que estimulou o espírito crítico. A escrita abriu os horizontes do pensamento, propiciando o distanciamento do vivido, o confronto das ideias e a ampliação da crítica. Portanto, a escrita apareceu como possibilidade maior de abstração, uma reflexão da palavra que tenderia a modificar a própria estrutura do pensamento. Trabalho • Qual é o tipo de consciência que predomina em uma cultura de tradição oral, onde não há escrita? • Como era a escrita no início? • A quem ela estava reservada? • Quem influenciou o surgimento da escrita na Grécia e em que século? • Quais as transformações que a escrita sofreu com o passar dos tempos? • Porque a escrita estimulou o espírito crítico? O Surgimento da Moeda Por volta dos séculos VIII e VI a.C. houve o desenvolvimento do comércio marítimo decorrente da expansão do mundo grego, mediante a colonização da Magna Grécia (atual Sul da Itália) e Jônia (atual Turquia). O enriquecimento dos comerciantes promoveu profundas transformações, decorrentes da substituição dos valores aristocráticos pelos valores da classe em ascensão. Na época da predominância da aristocracia rural, cuja riqueza se baseava em terras e rebanhos, a economia era pré-monetária e os objetos usados para troca vinham carregados de símbolos afetivos e sagrados, decorrente da posição social ocupada por homens considerados superiores e do caráter sobrenatural que impregnava as relações sociais. Com a finalidade de facilitar os negócios, a moeda que tinha sido inventada na Lídia, apareceu na Grécia por volta do sec. VII a.C. Ela se tornou necessária porque, com o comércio, os produtos que antes eram feitos com o valor de uso passaram a ter valor de troca, transformando em mercadorias. A invenção da moeda desempenhou papel revolucionário, pois estava vinculada ao nascimento do pensamento nacional, passando a ser emitida e garantida pela cidade, revertendo benefícios para a própria comunidade. Além desse efeito político de democratização, a moeda sobrepôs os símbolos sagrados e afetivos o caráter racional de sua concepção: muito mais do que um metal que se trocava por qualquer mercadoria, a moeda é um artifício racional, uma convenção humana, uma noção abstrata de valor que estabelece a medida comum entre valores diferentes. Trabalho • O que aconteceu no mundo por volta dos séculos VIII e VI a.C., que estimulou o surgimento da moeda? • O que quer dizer a predominância da aristocracia rural? • De onde veio a primeira moeda que apareceu na Grécia e em que século ela apareceu? • Com que finalidade ou objetivo a moeda apareceu na Grécia? • Porque a moeda se tornou necessária para a época? • Porque o surgimento da moeda na Grécia desempenhou um papel revolucionário? A Lei Escrita Drácon (sec. VII a.C.), Sólon e Clístenes (sec. VI a.C.) foram os primeiros legisladores que marcaram uma nova era: a justiça, até então dependente da arbitrariedade dos reis ou da interpretação da vontade divina, passou a ser codificada numa legislação escrita. Regra comum a todos, norma racional, sujeita à discussão e modificação, a lei escrita passou a encarnar uma dimensão propriamente humana. As reformas provocadas pela legislação de Clístenes fundou a polis sobre uma base nova: a antiga organização tribal foi abolida e estabeleceu-se novas relações, não mais baseadas na consanguinidade, mas determinadas por nova organização administrativa. Tais modificações expressavam o ideal igualitário que preparava a democracia crescente, pois a unificação do corpo social aboliu a hierarquia fundada no poder aristocrático das famílias. Trabalho • Quais foram os primeiros legisladores gregos e em que século eles viveram? • Qual foi a mudança acontecida na justiça, com a elaboração da lei escrita? • Sendo a lei escrita uma regra comum a todos, como ela modificou a arbitrariedade dos reis ou a interpretação da vontade divina? • O que significa dizer que as reformas provocadas pela legislação de Clístenes fundou a polis sobre uma base nova? O Cidadão da Pólis Jean-Pierre Vernant, helenista e pensador francês, viu no nascimento da polis (por volta dos séculos VIII e VII a.C.) um acontecimento decisivo que provocou grandes alterações na vida social e na relação entre os homens. A originalidade da cidade grega é que ela estava centralizada na ágora (praça pública), espaço onde se debatiam os problemas de interesse comum. Separam-se na polis o domínio público e privado, isto significa que o ideal de valor de sangue, restrito a grupos privilegiados em função do nascimento ou fortuna, se sobrepunha à justa distribuição dos direitos dos cidadãos enquanto representantes dos interesses da cidade. Estava nascendo ali o novo ideal de justiça, pelo qual, todo cidadão tinham direito ao poder. A polis se faz então pela autonomia da palavra, não mais a palavra mágica dos mitos, palavra dada pelos deuses, comum a todos, mas a palavra humana do conflito, da discussão e da argumentação. O saber deixou de ser sagrado e passou a ser objeto de discussão. A expressão da individualidade por meio do debate fez nascer a POLÍTICA, libertando o homem dos exclusivos desígnios divinos, e permitindo a ele tecer seu destino na praça pública. O cidadão da polis passou a participar dos destinos da cidade por meio do uso da palavra em praça pública. De início, a igualdade existia apenas entre os guerreiros, mas essa imagem do mundo humano encontrou, no século VI a.C. sua expressão rigorosa num conceito de isonomia: igual participação de “todos” os cidadãos no exercício do poder. O apogeu da democracia ateniense se deu no século V a.C, quando Péricles era estratego. É bem verdade que Atenas possuía meio milhão de habitantes, dos quais 300 mil eram escravos e 50 mil metecos (estrangeiros); excluídas mulheres e crianças, restavam apenas 10% considerados cidadãos propriamente dito, capacitados para decidir por todos. Por isso, quando falamos em democracia ateniense, é bom lembrar que a maior parte da população se achava excluída do processo político. Quanto mais se desenvolvia a ideia de cidadão ideal, com a consolidação da democracia, mais a escravidão surgia como contraponto indispensável, ao escravo eram reservadas as tarefas consideradas menores dos trabalhos manuais e da luta pela sobrevivência. Não resta dúvidas, no entanto, de que na fase aristocrática anterior, havia ainda outros tipos de privilégios. O que enfatizamos no processo é a mutação do ideal político e o surgimento de uma concepção nova de poder. O ideal teórico da nova classe dos comerciantes foi elaborado pelos sofistas (professores de retórica do século V a.C.). Trabalho • Em que século se deu a organização da polis? • Onde estava centralizada a origem da cidade grega? • Qual é o sentido da palavra ágora e o que ela significa? • Como se deu a nova noção de justiça com a organização ou a criação da polis? • Com a organização da polis, qual foi a nova concepção de saber que surgiu? • Como se deu a origem do cidadão da polis? • Como a cidadão passou a participar dos destinos da cidade grega? • Quando se deu o apogeu da democracia ateniense? • Qual era a distribuição populacional de Atenas, a cidade mais importante da Grécia, no século V a.C? O Nascimento da Filosofia A grande aventura intelectual dos gregos não começou na Grécia Continental, mas nas colônias: na Jônia (metade Sul da costa ocidental da Ásia Menor) e na Magna Grécia (Sul da Península itálica e Sicília). Os primeiros filósofos viveram por volta do séc. VI a.C e, mais tarde foram classificados de Pré-Socráticos e agrupados em diversas escolas. Por exemplo, Escola Jônica (Tales, Anaximandro, Anaxímines, Heráclito, Empédocles); Escola Itálica (Pitágoras); Escola Eleática (Xenófanes, Parmênides, Zenão); Escola Atomista (Leucipo e Demócrito). Os escritos dos filósofos pré-socráticos desapareceram com o tempo e só nos restam alguns fragmentos ou referências feitas por filósofos posteriores. Trabalho • De acordo com o texto, onde começou a grande aventura intelectual dos gregos? • Em que século viveram os primeiros filósofos gregos? • Porque os primeiros filósofos gregos são chamados de pré-socráticos? • Cite nome de 4 escolas fundadas pelos primeiros filósofos?

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